Cristãos carregam a Bíblia nas mãos. Muçulmanos, o Alcorão. Já os designers brasileiros poderão ser vistos, daqui para frente, com outro livro que, embora não seja sagrado, é tido como tal por ilustradores e artistas gráficos de todo o mundo.
Como se sabe, o cartaz foi o grande orgulho da Polônia quando o país, então sob regime comunista, começou a receber atenção internacional nos anos 1950, consagrando artistas como Tadeusz Trepkowski (1914/1956), Jan Lenica (1928/2001) e Roman Cieslewicz (1930/1996), autor de célebre cartaz do filme Um Corpo Que Cai (Vertigo, de Alfred Hitchcock), desenhado em 1963 – uma caveira que alude ao título do filme, combinada com uma impressão digital. Merecidamente, eles ganham um espaço generoso no livro de Meggs, dividido em cinco partes, cada uma delas dedicada a um período histórico, da invenção da escrita à era digital de microprocessadores, que transformaram a indústria da comunicação, passando pelas mudanças que o design gráfico sofreu com a criação da escola de vanguarda alemã de arquitetura e design Bauhaus (1919-1933).
Após o fim da 1ª Guerra, a narrativa tradicional de cartazes foi sendo substituída por novas idéias visuais que privilegiavam o conceito. Por volta de 1914, os cartazes publicitários contavam necessariamente uma história, como o desenhado naquele ano pelo alemão Ludwig Hohlwein (1874/1949) para levantar fundos para a Cruz Vermelha, em benefício dos feridos de guerra.
O cartaz mostra um soldado com um dos braços na tipóia diante de uma cruz vermelha sugerida como uma suprematista cruz de Maliévitch. Essas referências seriam mais tarde expurgadas na Alemanha de Hitler, quando Hohlwein, aliciado pelos nazistas, ajudou a consolidar a propaganda visual que mudou o cenário político alemão. O artista, segundo Meggs, evoluiu rumo ao estilo militarista, tornando suas formas pesadas e os contrastes tonais mais tenebrosos ainda.
A promíscua relação entre arte e política é dissecada no livro. Ao analisar como a Rússia, já arrasada pela catástrofe da 1ª Guerra, passou pelo trauma de uma revolução, Meggs lembra que os artistas gráficos, na tentativa de traduzir visualmente suas crenças futuristas, incorporaram a abstração geométrica, rejeitando tanto a figuração como a função utilitária em troca da expressão. Meggs destaca especialmente a composição gráfica suprematista de Maliévitch e o uso da figura geométrica pelo pintor, arquiteto, designer e fotógrafo El Lissitzky. Em 1919, Lissitzky criou o emblema do exército bolchevique, uma cunha vermelha que talha as “forças brancas” de Kerenski, representadas por um círculo branco. Esse confronto abstrato duraria pouco. O governo revolucionário bancou os construtivistas até Stalin, que fez retroceder a arte a um realismo populista. Artistas gráficos de tendência construtivista ou abstrata caíram no ostracismo e na pobreza.
Curiosamente, na Polônia comunista os artistas conseguiram resistir à intervenção estatal – em 1980, em plena crise, o logotipo concebido por Jerzy Janiszewski para o sindicato Solidariedade tornou-se símbolo contra a opressão. Meggs mostra o uso do cartaz tanto como arma política como peça de propaganda. Ele vira ouro nas mãos de artistas como o norte-americano Milton Glaser (hoje com 80 anos). Nos anos 1960, ele dominou um grupo de designers e estabeleceu os mandamentos da arte gráfica pop em Nova York, após o reinado de Saul Bass (1920/1996) na Califórnia dos anos 1950 – ele foi o melhor criador de cartazes de cinema e créditos iniciais de filmes, como O Homem do Braço de Ouro (1955) e Anatomia de Um Crime (1959), reproduzidos ao lado. Glaser criou a campanha I Love New York, que conquistou o mundo com um coração e as letras INY. Foi o último grito nacionalista antes da queda das torres gêmeas e da globalização, que anuncia uma incômoda retromania nas artes gráficas.
A arte dos cartazes de cinema é fascinante. Por vezes é difícil imaginarmos que em tempo idos a divulgação de um filme dependia de um simples papelão pintado afixado no cinema uns dias antes da estréia. Por isso os artistas gráficos davam o seu melhor e alguns dos grandes aí mostraram o seu talento como Saul Bass, responsável por muitos excelentes genéricos da história do cinema, autor de alguns cartazes que se destacaram dos restantes pelo seu design inovador.
VEJAM OS CARTAZES: